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Germinal

Resenha escrita em setembro de 2018

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Foto: edição brasileira da editora Estação Liberdade

Resenha: Germinal

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Em épocas de crise econômica é comum o surgimento de propostas de supressão de direitos trabalhistas. Diante da ameaça do desemprego, o trabalhador, muitas vezes, aceita piores condições, salários menores, jornadas exaustivas e outras adversidades. Os discursos contra a classe trabalhadora tomam forma de maneira velada, com eufemismos. É alegado que para o crescimento do país alguns sacrifícios são necessários. Se a situação está difícil, se o cidadão está perdendo a dignidade, se as crianças estão passando fome, o conselho é não pensar em crise e trabalhar. Geralmente, essa dica vem de gente muito bem alimentada, mas encontra eco até mesmo no fundo do poço. Também é costumeiro que, nessas épocas, surja a repulsa pelos sindicatos, e qualquer um que exija dignidade é taxado de vagabundo e desordeiro. O resultado é uma classe burguesa segura em sua fartura e uma classe proletária esgotada e faminta (e, muitas vezes, desunida). Desde a aprovação da reforma trabalhista, proposta pelo presidente Michel Temer e aprovada pelo Congresso, o Brasil está seguindo, de maneira bastante séria, o conceito de precarização das condições de trabalho e a visão dessa realidade me lembra da obra Germinal, do autor francês Émile Zola, escrita no final do século XIX.

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O livro é ambientado no norte da França, em uma região de minas de carvão. Assim como no romance O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, em que o próprio cortiço é um personagem da história, em Germinal podemos dizer que as minas e seus conjuntos habitacionais também protagonizam a história. O enredo gira em torno da luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, dignidade e salários decentes. O mineiro Étienne Lantier é o protagonista humano do romance e representa a revolta do proletariado frente ao descaso e a desonestidade dos patrões. A obra, no entanto, não permite delírios romantizados. Calcada no naturalismo, seus personagens não são idealizados. Não existem heróis, mas humanos falhos lapidados no sofrimento e na labuta extenuante.

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O enredo tem como ponto de partida a busca de Étienne por um novo emprego na mina Voreux. A princípio, o rapaz é rejeitado, mas consegue uma vaga após a morte de uma funcionária da mina. Étienne logo faz amizade com uma família de mineiros locais e acaba por se hospedar na casa deles. Desde o primeiro dia de trabalho na Voreux, o protagonista se apaixona por Catherine, filha mais velha de seus anfitriões e trabalhadora da mina. No entanto, a adolescente se vê envolvida em um relacionamento com Chaval, um mineiro extremamente rude e egoísta. O roteiro não poupa ninguém de sofrimentos. Crianças definham, jovens são estupradas, revoltas vitimam inocentes, trabalhadores são hostilizados pelos colegas, mineiros morrem devido à precariedade de suas condições de trabalho e mesmo personagens abastados não estão seguros.

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Étienne é visionário e tem um grau de intelectualidade maior do que o de seus colegas. Atento para as novidades políticas que estavam em polvorosa na Europa naquele período, em especial o socialismo, o protagonista sugere a criação de uma caixa de previdência e começa a pavimentar uma liderança entre seus pares. A justificativa é usar a caixa de previdência em caso de necessidades dos trabalhadores, porém, na realidade, ele já tem em mente uma possível greve e o dinheiro poupado seria usado na subsistência dos grevistas. Após o desabamento de uma galeria, os executivos da Voreux decidem punir os mineiros, diminuindo seus salários e prometendo compensar a diferença na quantia caso eles se empenhassem mais nas obras de infra-estrutura das galerias, a fim de evitar novos acidentes. A insatisfação na mina aumenta até que a greve se torna inevitável. Naturalmente, Étienne se torna o principal líder dos grevistas. O movimento se espalha e em pouco tempo todas as minas da região também se rebelam. O líder mineiro acreditava que a greve dobraria os burgueses a aceitarem as reivindicações dos trabalhadores, porém isso não acontece e, com o dinheiro acabando, a situação dos mineiros que já era ruim vai se tornando pior. Em meio a todo o caos, o livro ainda aborda outros dramas pessoais dos personagens, tanto os da classe proletária quanto os da burguesia, o que torna Germinal uma obra completa.

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Para ganhar conhecimento de causa, Émile Zola imergiu em minas de carvão. Por alguns meses, o autor trabalhou, comeu, bebeu e conviveu com mineiros. O ganho de experiência inspirou o escritor a compor com detalhes (exaustivos, muitas vezes) a vida dos trabalhadores das minas de carvão. Como consequência, o livro é denso e maçante em muitos momentos. Porém, o engajamento na leitura recompensa. Em poucos capítulos o leitor já começa a se identificar com os trabalhadores e sua revolta. Da mesma forma, em várias passagens, é natural sentir raiva dos personagens e de suas atitudes grosseiras, preconceituosas e exageradas. Como já foi dito anteriormente, em Germinal ninguém é santo. Contudo o comportamento reprovável dos personagens traz um realismo impressionante à obra. Os detalhes, a verossimilhança, os problemas, o inconformismo, todos esses aspectos fazem com que a leitura do livro passe a sensação de que estamos vivendo aquela situação na nossa própria pele.

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