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Mercado nacional de games é promissor, mas ainda enfrenta barreiras

Pesquisa Game Brasil aponta que variedade de plataformas atrai, cada vez mais, novos jogadores

Matéria publicada originalmente em 23 de junho de 2017 no blog Verbatômico

Houve um tempo em que os videogames eram considerados brinquedos de criança. Era incomum encontrar gamers adultos e os poucos que existiam eram tachados de imaturos ou desocupados. Acontece que o tempo passou e aquelas crianças que cresceram brincando com jogos eletrônicos escolheram não abandonar o passatempo. Pelo contrário, muitas delas até se profissionalizaram e hoje ganham a vida jogando ou desenvolvendo jogos digitais. Atualmente, está cada vez mais comum ver adultos apaixonados por esses jogos. A popularidade dos games só aumentou nas últimas décadas e as novas tecnologias agregam a esse universo um público que antes não tinha tanta intimidade com jogos eletrônicos.

Realizada pela primeira vez em 2013 e já na quarta edição, a Pesquisa Game Brasil aponta que as novas plataformas, em especial os smartphones, abrigam a maioria dos gamers brasileiros. De acordo com a edição mais recente da pesquisa, divulgada em abril deste ano, 77% das pessoas que costumam jogar jogos eletrônicos utilizam o celular para jogar. Os tradicionais consoles de videogame (como o popularíssimo PlayStation e o saudoso Super Nintendo) são utilizados por 49% dos gamers. Completam o rol de plataformas: os computadores, os portáteis e até as smart TVs.

Jessé Martins Fontes, designer gráfico, gamer de carteirinha e dono do canal Joystick Boy Games no YouTube, afirma ver com bons olhos essa variedade de tipos de jogos e plataformas e a diversidade do público. “Eu gosto disso porque demonstra que (os games) estão mais acessíveis do que antes. E também, pelo lado profissional, isso ajuda a mais pessoas buscarem entrar nesse mercado”, diz o jovem.

Mundo afora, o sucesso dos games também nítido, não é à toa que a indústria dos jogos eletrônicos é a mais lucrativa no mercado do entretenimento. Só no ano de 2016 o lucro da indústria dos games no mundo girou em torno de US$ 91 bilhões, de acordo com dados do site superdataresearch.com. Para efeito de comparação, a indústria do cinema teve um lucro de aproximadamente US$ 38 bilhões em 2015.

No entanto, Francisco Tupy, professor de tecnologia educacional, ressalta a volatilidade do mercado do ramo e faz uma ponderação sobre toda essa lucratividade. “Apesar de a gente falar que a indústria do game é o principal setor do entretenimento, existem questões que a gente não leva em consideração. Por exemplo, quantos jogos são responsáveis por isso (por alavancar essa cifra)? A indústria do game é muito canibal. Um jogo faz sucesso e logo é muito copiado”, reflete o professor. Ele, porém, destaca que, apesar dessa ‘antropofagia’, o mercado do ramo sabe se reinventar. Por exemplo, os eSports, competições profissionais entre jogadores de jogos eletrônicos, estão cada vez mais em voga e movimentando grandes somas em dinheiro. “Eu diria que o que a gente conhece (como indústria tradicional de games) pode estar desacelerando (economicamente), porém outros nichos do ramo estão acelerando”, conclui Francisco.

Campeonato de eSports / fonte: kernalmag.dailydot.com

Campeonato de eSports / fonte: kernalmag.dailydot.com

Smartphone is the new black

Como demonstrou a Pesquisa Game Brasil, uma tendência que veio pra ficar são os jogos para smartphones. Já não é de hoje que os celulares se tornaram ferramentas para as mais diversas utilidades como acessar redes sociais, encontrar um endereço com o GPS, fazer traduções de outros idiomas e, óbvio, jogar (ligações telefônicas estão em último plano).

A febre mundial que foi o lançamento de Pokémon GO resume bem o sucesso dos jogos para celular. Para se ter uma ideia, esse game quebrou cinco recordes no Guinness. Só para dar alguns exemplos: foram 130 milhões de downloads em 30 dias, rendendo o recorde de maior número de downloads em menor tempo, e também recorde de maior velocidade de arrecadação, US$ 100 milhões em 20 dias.

Divulgação Pokémon GO

Divulgação Angry Birds

Antes de Pokémon GO, o viciante Angry Birds já prendia milhões de pessoas que não cansavam de arremessar os pássaros nervosos de encontro com montanhas de porquinhos. A franquia Angry Birds salvou sua desenvolvedora, a finlandesa Rovio, que estava prestes a falir, e a colocou entre as empresas mais bem-sucedidas do ramo de games mobile.

Atenta a essa tendência, a indústria dos games já investe muito mais em desenvolvimento para essa plataforma do que para jogos de computador ou console. Dos US$91 bilhões que a indústria dos games movimentou em 2016, US$41 bilhões foi só com jogos mobile.

O gamer Jessé Fontes comenta que o uso de jogos de celular, entre outras coisas, ajuda o usuário a se adaptar ao aparelho e se familiarizar com novas tecnologias. “Eu mesmo quando troco de celular, os jogos me ajudam a me acostumar a, por exemplo, segurar o aparelho”.

O perfil do gamer brasileiro

De acordo com a Pesquisa Game Brasil 2017, a maioria dos gamers no país tem entre 25 e 34 anos e o gênero de jogo favorito é estratégia, seguido por aventura, ação e corrida, respectivamente.

Um dado que chamou atenção na pesquisa é que, pelo segundo ano consecutivo, a maioria do público dos games é feminina. Quase 54% dos jogadores são mulheres. No entanto, quando se trata de hardcore gamers, os homens são maioria com 68%.

Você é hardcore ou casual?

O público interessado em videogames pode ser divido nas categorias casual gamer e hardcore gamer. Embora haja uma certa polêmica para definir exatamente quais seriam os quesitos para classificar um jogador na categoria A ou B, basicamente pode-se dizer que o casual gamer é aquele que joga de maneira moderada, sem grandes ambições de longo prazo, enquanto o hardcore se refere aos mais fanáticos, aqueles que querem desvendar cada detalhe da trama do jogo, obter as maiores pontuações ou ganhar disputas e campeonatos. Segundo a pesquisa Game Brasil 2017, 54% dos jogadores brasileiros se consideram casual gamers, 30% se consideram algo entre o moderado e o fanático e apenas 6% se consideram hardcore. Os outros 10% não se consideram gamers. A plataforma favorita dos mais fanáticos é o console, já a dos jogadores casuais é o celular.

Entre os hardcore gamers, o console de PlayStation 4 é o favorito / foto divulgação PS4

Cursos de desenvolvimento de games no Brasil e empregabilidade

Antes de se tornar um produto comercial, os primeiros jogos eletrônicos criados no país foram desenvolvidos no meio acadêmico e com intuitos educativos. Conforme a popularidade dos games cresceu, seus gêneros e intuitos se expandiram e a procura por cursos de desenvolvimento de games também aumentou. O professor Francisco Tupy aponta que os alunos que buscam esses cursos sonham repetir o sucesso de grandes ícones da indústria, como o revolucionário Hideo Kojima, criador da franquia de jogos de espionagem Metal Gear, e Shigeru Miyamoto, que tem em seu currículo os consagrados jogos Mario, Donkey Kong, The Legend of Zelda, entre outros. “Basicamente, o aluno (de desenvolvimento de games) quer unir a paixão dele, unir o útil ao agradável. E tem o lado do sonho, o lado de representação, que é chegar nas grandes empresas e trabalhar em um jogo de sucesso”, conta ele.

Marcelo Santos, professor de programação na área de jogos digitais na FMU e especialista em games, explica que no exterior o profissional do ramo é muito específico, mas no Brasil, como o setor ainda está engatinhando, o interessado em trabalhar no ramo precisa ser mais generalista, o que cobra dele o aprimoramento de diversos recursos. “De maneira generalizada, podemos dizer que o mercado está buscando profissionais especialmente em três áreas: o programador e desenvolvedor, profissional que vai implementar uma linguagem de programação ao projeto; a segunda área é a artística, que eu poderia englobar a criação de trilha sonora, modelagem de personagens, criação de cenários, etc.; e, por fim, o planejamento, o gestor do projeto”, afirma o professor. Ele também conta que muitos profissionais formados em outras áreas também estão procurando os cursos sobre games para desenvolver alguns projetos e aplicativos. “Nós temos alunos que são formados em Administração de Empresas, alunos que fizeram Artes Gráficas, etc. E, é óbvio, a grande maioria deles são jovens e apaixonados por jogos desde criança”, explica. Sobre a presença feminina nas aulas de games, o professor Marcelo diz que elas ainda são minoria, mas a busca vem aumentando e a tendência e que cresça cada vez mais.

O desenvolvimento de games no Brasil

A popularidade dos jogos eletrônicos no país não é ignorada pelo mercado. O desenvolvimento da indústria brasileira de games caminha a passos lentos, no entanto, vem dando grandes saltos de alguns anos pra cá. Ainda é necessário um suporte mais arrojado por parte dos órgãos competentes e maior reconhecimento por parte do público, mas o cenário está melhorando. A Ancine abriu em maio inscrições para o Programa Brasil de Todas as Telas, que visa disponibilizar R$ 10 milhões para o desenvolvimento de projetos de games nacionais. Esse tipo de iniciativa ainda é discreto, mas pode ser o início de uma nova postura que pode impulsionar o mercado nacional do ramo.

O professor Marcelo Santos observa que a diferença de investimento feito na indústria nacional comparada com a indústria de alguns outros países é enorme e nos deixa muito para trás, mas destaca a visibilidade que Brasil tem como produtor e consumidor de games. “A principal diferença (entre o mercado nacional e o estrangeiro) é a questão do investimento. Mas nós temos alguns incentivos, alguns investimentos de órgãos, institutos nacionais e até internacionais para fortalecer a produção de jogos no país visto que o Brasil, com a Argentina e o México, são os maiores consumidores de jogos na América Latina”, comenta ele.

O professor Francisco Tupy complementa o raciocínio do colega. Sobre o potencial que o país tem de se tornar uma referência na produção de games, ele afirma: “Do ponto de vista humano e de talentos pessoais, nós temos um nível de equiparação (com a indústria estrangeira). Tanto que em estúdios pelo mundo temos brasileiros trabalhando de igual pra igual em cargos técnicos, em cargos de liderança e de gestão”. Mas a burocracia, a carga tributária e a falta de ousadia das administrações do país são um empecilho. “A gente tem um problema que é a administração do Brasil. O nosso primeiro problema é o custo Brasil”, relata Francisco. O professor também elogia o esforço dos desenvolvedores brasileiros. “Esses exemplos que a gente tem (de produções nacionais) eu comparo com uma guerrilha, com heróis, porque eles poderiam estar em outras profissões talvez ganhando até mais dinheiro, aplicando suas habilidades em outros setores que, de repente, sejam mais rentáveis, mas eles têm um ideal e levam bravamente suas empresas, porque é um ambiente hostil”, conclui.

Toren foi desenvolvido pelo estúdio gaúcho Swortales / foto divulgação

Entre os destaques de produções nacionais temos os games Toren, jogo com gráficos bastante legais e influenciado pelo clássico Zelda; Horizon Chase, jogo de corrida em 2D, vencedor do prêmio de melhor game no BIG Festival (maior evento de games independentes da América Latina) e que deve agradar os fãs nostálgicos de velhos jogos de corrida como Top Gear; Aritana e a Pena da Harpia, que possui cenários muito bonitos e uma jogabilidade mais que divertida; e Pesadelo, jogo de terror que teve uma série de vídeos de sua jogatina postada no YouTube por ninguém menos que o sueco PewDiePie, o mais famoso youtuber de games do mundo. Mas, é claro, que esses são apenas alguns dos exemplos relevantes. Uma rápida busca na internet e o interessado pode descobrir um grande número de produções nacionais de qualidade que rendem boa diversão.

Aritana é da produtora paulista Duaik / foto divulgação

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