Paranoika Vírus
Crônica escrita em abril de 2016
Crônica: Paranoika Vírus
Algo está acontecendo na atmosfera do Brasil. Algo estranho. Contagioso, doentio. Na história da humanidade, várias doenças assolaram determinadas regiões do planeta. Peste negra, cólera, tifo, varíola, gripe espanhola... Essa última há quem diga que, devido à sua facilidade de contágio e letalidade, se ressurgisse hoje, graças à globalização e à intensa mobilidade de pessoas entre os países, se espalharia por toda a Terra e dizimaria boa parte da população mundial, com risco de extinguir a humanidade.
Eu, particularmente, suspeito que o Brasil seja o país mais vulnerável a epidemias no momento. É só analisar um pouco a nossa situação atual: dengue, já é nossa velha conhecida; febre chikungunya e Zika vírus, estas são novidade; vírus H1N1, pensávamos que ele estava morto, mas, como um zumbi, ele voltou do abismo para nos assombrar. Fico com a sensação de que tem algo no ar do Brasil que agrega epidemias.
No entanto, não é sobre essas doenças triviais que tratam estas linhas. Esta crônica é sobre uma nova epidemia que paira em todo o território nacional: o Paranoika vírus, também conhecido como Mal do Fanatismo Bipartidário. É difícil abordar essa patologia, pois só de mencioná-la já se corre o risco de contágio ou de ser atacado por um infectado. Pouco se sabe sobre esse vírus, afinal ele não é estudado pela medicina ou pela biologia. Os corajosos profissionais que ousam pesquisar sobre o fenômeno costumam ser os sociólogos, filósofos, cientistas políticos, enfim, a gente das ciências humanas. Brava gente, por sinal. Esses pesquisadores arriscam suas vidas para tentar entender o Paranoika. O problema é que alguns acabam infectados também e os que resistem ao vírus acabam se tornando vítimas da turba contaminada. Até onde se sabe, ninguém morreu (ainda) por ação direta da doença, mas já ocorreram ferimentos, cusparadas, hostilizações e outros dissabores. Os doentes não perdoam ninguém; atacam-se entre si e partem para cima dos sadios também.
Parece que o sintoma mais comum da doença é a agressividade, nisso o Paranoika lembra bastante o vírus da raiva, é comum ver os doentes espumando. O indivíduo afetado tende a desconfiar de todos ao seu redor, sente-se perseguido e, quando contrariado, ataca. Basta uma ideia discordante ser manifestada ou uma roupa com uma cor que o desagrade ser vestida para que o doente perca a racionalidade. As reações são diversas e, muitas vezes, perigosas.
O vocabulário do enfermo costuma girar em torno de algumas palavras-chave. Caso o doente seja do grupo A, ele costuma utilizar os bordões: petralha, mortadela, esquerdopata e “vai pra Cuba”. Já os do grupo B gostam de bradar: coxinha, fascista e “reaças não passarão”. Ambos os grupos costumam se dirigir a uma pessoa não contaminada com o termo “isentão”, empregado de maneira pejorativa. A essa altura do texto é muito possível que o leitor já tenha usado algum dos vocábulos mencionados acima para rotular este pobre autor. Em caso afirmativo, sugiro algumas aulas de interpretação de texto (pesquisar sobre a figura de linguagem conhecida como ironia é bastante válido)... em casos mais graves, dependendo da salivação, talvez seja bom também procurar um psiquiatra.
Ainda não se sabe qual a cura para o Paranoika, tampouco existe vacina. No tratamento, é indicado doses de estudo de História, Português, retórica, política, etc. Estudo nunca é demais e os resultados são positivos tanto para recuperar os já enfermos quanto para aqueles que buscam prevenir a patologia. Também é indicado altas doses de tolerância, educação e respeito. No entanto, não é comum ver os infectados buscando alguma das alternativas mencionadas. A infecção parece causar vício e severa dependência.
O Brasil já passou por todo tipo de tribulação em sua vida de pouco mais de 500 anos, deverá sobreviver ao Paranoika vírus. Infelizmente (ou seria mais adequada dizer “propositadamente”?) essa doença veio em um péssimo momento político e está atrapalhando as discussões que poderiam ajudar a contornar os problemas pelos quais estamos passando. Existe a esperança de que um dia essa doença seja erradicada, até lá, ficamos na torcida para que ela passe logo, não volte mais e não cause muitos estragos.
Brasil, melhoras.