The Last of Us 2 é brutal e estonteante
Resenha escrita em junho de 2020
Foto: divulgação
Resenha: The Last of Us 2
Com uma mistura de personagens carismáticos, gráficos incríveis e um estilo de jogo original, o game da Naughty Dog chega causando grande rebuliço e polêmicas desmedidas
O fenômeno The Last of Us
(A primeira parte desta análise NÃO contém spoilers do enredo)
O primeiro The Last of Us, lançado em 2013, foi revolucionário. De maneira criativa e inovadora, o jogo incluía vários elementos apreciados por gamers mundo afora: personagens cativantes; roteiro criativo; gráficos deslumbrantes; jogatina cheia de ação, envolvendo estratégias variadas de combate; zumbis e cenários que exigiam exploração. A combinação deu certo e o resultado foi um sucesso de público e crítica. Na continuação do game, lançada em 2020, a mesma fórmula foi repetida, porém o saldo não foi o mesmo. A crítica adorou; já os fãs, nem tanto.
Abby
Não posso continuar o texto sem deixar bem explícito que The Last of Us 2 já é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, rivalizando apenas com Red Dead Redemption 2 e as sagas Metal Gear e Resident Evil. Tendo isso claro, pretendo analisar aqui o jogo em si, as opiniões e as controvérsias a respeito do enredo do game. Guardei os spoilers para a segunda parte do texto, portanto quem ainda não jogou pode continuar lendo sem medo até o aviso.
Ellie
Não posso continuar o texto sem deixar bem explícito que The Last of Us 2 já é um dos meus jogos favoritos de todos os tempos, rivalizando apenas com Red Dead Redemption 2 e as sagas Metal Gear e Resident Evil. Tendo isso claro, pretendo analisar aqui o jogo em si, as opiniões e as controvérsias a respeito do enredo do game. Guardei os spoilers para a segunda parte do texto, portanto quem ainda não jogou pode continuar lendo sem medo até o aviso.
A jogabilidade de The Last of Us 2 continua — praticamente — unânime. Quem gostou do primeiro, gostou (ou gostará) do segundo. A dinâmica é a mesma de TLOU 1 só que mais intensa. O personagem que você estiver comandando tem uma ambição e para progredir deve buscar itens que facilitem sua jornada por um cenário pós-apocalíptico em que os recursos são escassos. No caminho encontramos inimigos humanos, zumbis de vários tipos (resultado de uma infecção causada por um fungo) e, agora, também cachorros. Você pode enfrentar os adversários na porrada, na faca, no machado ou na bala (a variedade de armas está aí pra você usar a criatividade), contudo, em um mundo perigoso e com pouca disponibilidade de munições, a melhor ideia continua sendo utilizar-se da furtividade e acabar com os adversários um por um, sem chamar atenção.
Uma característica que marcou o primeiro jogo, e se mantém no atual, é que em boa parte da campanha seu personagem é acompanhado e auxiliado por um parceiro autônomo (ou seja, não controlado por outro jogador). Ter seu protagonista auxiliado por outro personagem é divertido e gratificante, no entanto, há uma pequena falha que vem desde o TLOU 1 e que não foi corrigida para o atual: a cegueira dos adversários frente ao seu parceiro. Explico. Um defeito na inteligência artificial dos inimigos não permite que eles vejam seu colega caso o seu personagem esteja bem escondido. Em outras palavras, se os vilões não conseguem ver você, eles também não conseguem ver seu amigo, por mais que seu aliado esteja bem na cara deles. Esse detalhe não compromete muito porque, na maior parte do tempo, seu amigo acompanha sua furtividade e também se esconde quando você se esconde, porém em alguns momentos eles se expõem e você se desespera pensando que os dois serão descobertos, mas, no fim, nada acontece.
Um outro detalhe que na minha opinião, prejudica o realismo do jogo é o aviso que ele dá toda vez que há um inimigo no cenário. Você acabou de entrar numa casa? Se houver algum monstro lá dentro, ele vai emitir um grunhido na hora e você já começa a preparar sua estratégia. Já quando o jogo quer empurrar um jump scare, não importa o quanto você vasculhe o local, o zumbi vai aparecer do nada e vai pegar você de surpresa. O mesmo vale para humanos. Você tá indo pra rua? O seu personagem para e observa a galera chegando, a menos que você seja obrigado a ser pego e tomar outro susto. E os avisos não param por aí. Quando você mata o último inimigo da área, seu personagem (mesmo que sozinho) fala algo do tipo: “acabei com todos eles”. Aí você pode baixar sua guarda e explorar a região tranquilo. Eu preferiria continuar vasculhando o cenário preocupado, com medo de que houvesse algum inimigo escondido. Mas, perdoando esses pecados, afirmo: acabaram-se os defeitos da jogabilidade.
É indescritível a adrenalina que se sente ao pegar um adversário de surpresa, tacar uma garrafa no outro e cortar sua goela enquanto o cara está grogue, esmurrar até a morte alguém que veio defender o colega e finalizar com um tiro na cabeça o inimigo que está do outro lado da sala. Para deixar bem claro: TLOU 2 não poupa na violência e cenas de tortura são frequentes. Joelhos e braços são esmigalhados, cachorros explodem, pessoas são esfaqueadas, mordidas ou sufocadas. Em muitos momentos você não terá opção. Não importa se você adora doguinhos, progredir deixando-os vivos é muito difícil e em um determinado momento um cachorro vai pular na sua cara e ou o jogador o mata ou seu personagem é morto. Também não interesse se você se afeiçoou a uma certa pessoa. Em dados momentos enfrentar personagens pelos quais você criou empatia é inevitável. E eis um novo ponto inovador de TLOU 2 que, infelizmente, incomodou muitos fãs. A obrigatoriedade de jogar com vilã e mocinha. De modo revolucionário, The Last of Us 2 demonstra que sua personagem favorita não é muito diferente daquela que você odeia. Voltarei a essa questão na parte com spoilers do texto.
Imagem de gameplay
Para resumir a sinopse do jogo sem estragar segredos do enredo vou ser bem sucinto: Ellie, a garotinha que nos cativou no primeiro jogo, está agora crescida e vai em busca de vingança a qualquer custo. Joel, o protagonista do game anterior, também está de volta, no entanto, seu papel não tem mais tanto destaque. A história começa com Joel narrando ao irmão os eventos que marcam o final do jogo anterior. Essa conversa contextualiza o game, relembra o que aconteceu no TLOU 1 e serve para orientar quem, porventura, for jogar TLOU 2 sem ter jogado o primeiro. A trama começa pacata, mostrando a vida relativamente tranquila que se leva em Jackson, comunidade onde moram os protagonistas. Porém, conforme a trama avança, os desafios aumentam e quando as coisas esquentam, elas esquentam pra valer. O jogo conta com muitos flashbacks que podem confundir o jogador e quebrar a adrenalina de cenas intensas, entretanto, esses momentos servem para explicar fatos passados essenciais para o entendimento do enredo e, também, para aumentar os laços entre os fãs e os personagens.
Imagem de gameplay 2
The Last of Us 2 vai prender os jogadores por muitas horas. Vai emocionar. Mas também vai causar estranhamento em muita gente. Pouco depois do lançamento, o jogo que vinha sendo elogiado pela mídia especializada (e que teve acesso ao game com antecedência), foi detonado por uma legião de jogadores frustrados. A primeira suspeita levantada foi de que fãs homofóbicos estavam revoltados com a homossexualidade de Ellie. Nas redes sociais e em páginas que tratam do game é muito frequente a “acusação” de que o jogo é “lacrador”.
Que TLOU 2 aborda temas polêmicos como homossexualidade e transexualidade, política e fanatismo religioso, isso é fato. Contudo o jogo não é militante. As questões estão lá, porém os personagens passam pouquíssimo tempo discutindo esses tópicos. Eles estão muito mais preocupados com a sobrevivência e com a busca por vingança do que com pautas sociais. Não sei se era intensão da Naughty Dog, mas TLOU 2 acabou escancarando que muita gente ainda não tolera que minorias tenham protagonismo.
No entanto, também é preciso destacar que nem só de chorume preconceituoso vivem as críticas de The Last of Us 2. Muita gente está detonando o enredo de TLOU 2 com argumentos razoáveis e sem mencionar os tabus. Sempre tem um crítico que aparece elogiando o DLC Left Behind, de TLOU 1, para se defender de possíveis rótulos de homofobia, já que no conteúdo extra de The Last of Us 1 Ellie já revelava ser lésbica. Então, o que dizem esses fãs? Bora pra parte com spoilers.
Imagem de gameplay 3
Parte 2 da análise — (Não) escolha um lado
De maneira ousada e perturbadora, o game mostra que diferença entre vilã e heroína é apenas uma questão de ponto de vista
A partir do próximo parágrafo vou abordar os meus pontos de vista e as opiniões controversas sobre o jogo. Desde que TLOU 2 foi lançado, acompanhei diversos argumentos atacando o game e escolhi os mais recorrentes para comentar. Aviso que de agora em diante vai chover revelações de enredo, tanto do primeiro quanto do segundo jogo.
Imagem de gameplay 4
Muita gente não está engolindo o destino de Joel. No primeiro game, ele é demonstrado como um cara frio, inteligente, durão e, praticamente, imortal — aquela cena em que ele cai de costas e um vergalhão atravessa seu corpo que o diga. Porém, The Last of Us 2 mostra que Joel não é um deus. Uma das questões que está perturbando muitos fãs é: como um cara que não confiava em ninguém pôde ter sido tão displicente logo no começo do TLOU 2 e à mercê de desconhecidos?
Bom, vamos lá. Se você prestar atenção no começo do game atual vai perceber que o coração de Joel amoleceu muito depois que eles se instalaram em Jackson. A vida na comunidade trouxe um conforto e uma segurança que arrefeceram os ânimos de Joel. Com isso, não é um absurdo ele se arriscar para salvar uma desconhecida. A estranha a qual me refiro, por sinal, é ninguém menos que Abby, a antagonista (?) do game. Depois que Joel botou o próprio pescoço e o do irmão em risco por causa da desconhecida, ficaram os três encurralados por infectados sendo que a única saída era correr para a base da mulher. Joel e Tommy, seu irmão, ficam reticentes com a sugestão de Abby de seguirem para o local onde o grupo dela está instalado, no entanto, eles não têm alternativa. Chegando no local, Joel comete um erro que, realmente, deveria ter evitado: revelar o próprio nome de graça. Contudo, era provável que Abby já o havia reconhecido. Ao contrário de seus colegas, a mulher não esboçou surpresa ao ouvir o nome e estava com uma escopeta preparada par dar um tiro nele. Logo, mentir não teria salvado sua vida. Também é de se supor que Joel e Tommy, ao longo da permanência deles em Jackson, tivessem trazido vários sobreviventes para a comunidade e, portanto, estavam acostumados a se apresentarem com honestidade. Se eu fosse o roteirista, Joel, mesmo assim, teria mentido ao se apresentar, mas Abby diria que sabe quem ele é e o decorrer da cena seria o mesmo. A razão de ser deste jogo é o desejo de vingança de Ellie e a garota precisava de um bom motivo para isso. Não importa que os fãs tenham Joel como ídolo.
Também vi muita gente criticando a baita coincidência de Abby ter sido salva justamente por Joel quando ela o procurava, louca para matá-lo. Esse argumento eu tive que me segurar para não rir. Galera, vocês nunca viram um filme, série, jogo ou livro em que coincidências espetaculares acontecem? Não é muita coincidência que Luke Skywalker, que tanto queria se juntar à resistência, tenha adquirido justamente um robô com uma mensagem da líder dos rebeldes? E que coincidência um pobre professor de química pegar câncer, resolver vender metanfetamina, tendo um ex-aluno traficante e um cunhado policial da DEA, hein? Ou o que dizer de um grupo de agentes da STARS que sai para investigar uma série de homicídios e acabar tendo de se abrigar justo na mansão dos responsáveis por aquelas mortes? Não foi uma série de coincidências que levou Bilbo Bolseiro ao um anel? Pelo amor! Um acaso fortuito, por si só, não estraga um enredo, muito pelo contrário. Se o que acontecer a seguir for coerente a trama evolui de maneira satisfatória. E a coincidência de TLOU 2 fez a história progredir.
Outro tópico que incomodou muita gente — inclusive eu, desta vez — é a raiva de Ellie para com Joel. Logo de cara em The Last of Us 2, fica claro que a garota está profundamente magoada com Joel. Confesso que eu fiquei esperando descobrir que o protagonista do primeiro jogo havia feito algo de muito condenável para ter herdado aquele sentimento ruim de Ellie. Na verdade, mais para frente vamos descobrir que ela só está cheia de rancor porque… ele evitou a morte dela. Quem jogou o primeiro jogo deve se lembrar de que toda a jornada dos protagonistas se deu pela promessa de que Ellie seria a chave para encontrar a cura da doença que causou o apocalipse. Porém, ao chegar no hospital e entregar Ellie aos vagalumes (grupo que prometia restaurar a sociedade), Joel descobre que a produção da cura mataria a garota. Com isso, o homem mata meio mundo de vagalumes e salva a vida da menina. Em TLOU 2, no decorrer de um flashback, descobrimos que Ellie não gostou nada de descobrir que teve a vida salva e que ela preferia ter morrido para que a cura fosse desenvolvida. Eu consigo até compreender que a razão de viver de Ellie fosse dar a própria vida para a produção da cura, mas não consigo compreender que ela não tenha perdoado Joel por ele não ter conseguido entregá-la para a morte. Tudo bem ela ficar decepcionada, triste e até com raiva. Mas passar a evitá-lo o tempo inteiro porque ele não aceitou perdê-la? Faltou um pouco de gratidão por parte da Ellie. Bom, de qualquer forma, o remorso bate na garota quando ela vê Joel ser assassinado e temos aí o ponto de partida do jogo atual: a tão infame vingança.
Ellie deixa o conforto de Jackson para ir atrás da assassina de seu velho amigo. No caminho acaba sendo responsável por várias atrocidades, inclusive a morte de outros de seus companheiros. Mas por que Ellie, que odiava tanto Abby, deixou sua antagonista viva no final? Muita gente não engoliu a “fraquejada” da garota. Ellie teve a chance de matar sua maior inimiga, mas preferiu deixar a mulher fugir. A resposta para isso é simples e eficaz: Ellie percebeu que o ciclo de vingança é cruel e decidiu cortá-lo de uma vez.
Abby quis vingar a morte do pai e em sua sede de vingança acabou perdendo vários amigos. Ellie percorreu o mesmo caminho e percebeu que caso matasse Abby também teria que matar seu protegido, o garoto Lev, ou o menino também teria um motivo para buscar vingança e o ciclo se perpetuaria. Lev, mais tarde, acabaria buscando matar Ellie e se conseguisse tal proeza, isso despertaria o ódio de Dina, que iria atrás de Lev, que certamente teria outro amigo para querer vingá-lo e isso não acabaria nunca. Ou seja, o final do jogo é coerente e traz à tona aquele velho bordão do Seu Madruga: “A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena”.
Agora, o que dizer da sacada da Naughty Dog de colocar o jogador na pele da vilã? Confesso que quando comecei a jogar com Abby minha vontade era de voltar logo para o controle de Ellie e poder dar cabo da assassina de Joel. No entanto, conforme você avança na história a percepção que fica é de que Ellie e Abby são duas faces da mesma moeda. E o que transforma uma personagem em heroína ou em vilã é o quanto você as conhece. Se o jogo nos mostrasse as motivações de Abby, mas não nos aproximasse da mulher, continuaríamos no time de Ellie desejando a morte da outra. Porém, ao nos colocar na pele de Abby criamos empatia com ela. Tanta empatia que nos causa confusão quando o jogo coloca as duas frente a frente e temos que prosseguir em um combate que já não faz mais sentido para nós. Tenho a sensação de que muita gente odiou o jogo por não suportar ver humanidade naqueles que um dia odiamos. Muita gente não suportou ter sido obrigada a deixar viva uma mulher que, apesar de ser tão semelhante à nossa heroína, matou nosso herói.
Em suma, The Last of Us 2 é genial, brilhante e nos força a refletir. Se alguém tem alguma dúvida se pode considerar videogames como obras de arte, esse alguém precisa jogar TLOU 2. Peço perdão pela redundância nos elogios, mas eles são justos. A jogabilidade é sem igual. Os personagens são muito cativantes. E o enredo, apesar de alguns deslizes, é muito bom, sim! Não sei se The Last of Us terá pano pra manga para uma terceira parte da franquia, mas, se tiver, eu já estou ansioso para jogar.